No princípio, Deus amou. Por causa do Seu amor, Ele
criou. No livro de Gênesis, Deus lança diversas afirmações comparadas ao som de
uma orquestra. “Haja luz” (Gn. 1:3) foi a primeira afirmativa e, como uma nota
musical, soou das cordas vocais do Criador em direção a terra. Logo em seguida,
Deus ordenou: “haja uma expansão no meio das águas” (Gn. 1:6), e a melodia
apressou-se em obedecer a ordem divina, separando águas e águas.
Nos primeiros dias da criação, cada palavra que fluía
do coração de Deus desenhava formas e cores que enfeitavam a terra. Árvores,
sementes, o sol, a lua e os animais, cada qual brotava de um novo acorde,
despertados pelo som celeste. Surge o primeiro homem e, mais uma vez, são as
cordas vocais do próprio Deus que se encarregam de anunciar o sonho uníssono da
Trindade: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn. 1:26). Da mesma
boca sai o sopro vivificante, inaugurando a vida nos pulmões de Adão.
O sopro divino passeava pelo corpo do novo homem.
Quando Deus decide criar a mulher, busca a matéria-prima na mesma região dos
pulmões: “E da costela… formou uma mulher” (Gn. 2:22). Logo na criação, Deus já
estabelecia a missão da mulher. Formada de uma costela – parte do corpo que tem
a função de proteger, principalmente, o pulmão –, Eva já nascia com a
incumbência de fornecer abrigo. Não foi à toa que Deus escolheu a mulher para
carregar no ventre as vidas que haviam de existir, além de “programar” uma farta
produção de leite no corpo feminino para o sustento de Seus filhos.
Pronto. Estava concluído o trabalho da criação.
De repente, um agudo estridente fere os ouvidos de
Deus. A perfeita ordem de Sua melodia desafina com a chegada do pecado. Neste
exato momento, após tantas afirmativas divinas, irrompe no Universo a primeira
pergunta do Criador. Em Gênesis 3.9 vemos o primeiro ponto de interrogação
vindo da parte de Deus: “Onde estás?”. A questão revela duas coisas bastante
pertinentes: um Deus que se prontifica a resolver problemas e sai à procura
daqueles que criou e ama intensamente e a nova imagem do homem (agora decaído),
que foge e procura se esconder.
Já é conhecido por todos o que vem a seguir. As
consequências da desobediência de Adão e Eva atravessaram séculos e continuam a
fazer vítimas por meio do pecado. O que gostaria de chamar a atenção neste
episódio tão antigo é a atualidade com que a postura adâmica se manifesta em
nossas vidas. Basta aparecer um problema (seja o próprio pecado ou uma situação
comum do dia a dia) e lá estamos nós, escondendo-nos atrás das árvores ou
cobrindo-nos com folhas de figueiras.
Esse tipo de circunstância pode ser facilmente notado,
por exemplo, quando existe a necessidade de perdão. Não é fácil romper a camada
de orgulho que se formou após uma calorosa discussão, ainda mais quando,
aparentemente, se tem a razão. É interessante pensar que quando Jesus falou a
respeito de se perdoar setenta vezes sete (ao dia!) não disse nada sobre
“depende de quem estiver com a razão”. Neste caso, como aconteceu com Adão e
Eva, o casulo da fuga se apresenta como o abrigo mais atraente e seguro, mas
torna-se um veneno mortal para o amadurecimento de uma vida em Deus.
Ao ignorar o problema ou, literalmente, fugir do lugar
onde ele se encontra, a sensação que nos afeta é sempre a mesma: problema
resolvido! Se a intenção é viver uma vida de aparências, esse é um bom mantra a
ser repetido vida afora. Porém, se o desejo é conhecer uma realidade celestial,
estamos falando de sacrifício e humildade – postura adotada por Deus no momento
da queda. Quando é Ele quem se aproxima primeiro – “onde estás?” –, a humildade
sobressai. O sacrifício também está implícito na ocasião, pois o
Deus-Todo-Poderoso não poderia e nem deveria inclinar-se até nós. Mas Ele o
fez, impregnado de um amor incondicional.
Crescer é caminhar pela porta estreita. Quando nos
deparamos com um determinado problema e fugimos – contaminados pela covardia de
Adão e Eva –, deixamos escapar a oportunidade de amadurecer nos caminhos de Deus.
Quando Caim matou seu irmão Abel, a pergunta – mais uma vez – partiu de Deus:
“Onde está Abel?” (Gn. 4:9). Caim jamais tocaria no assunto se Deus não o
questionasse, pois é mais fácil esconder do que revelar.
Noé foi o primeiro homem que não fugiu de seu problema
– e tinha um do tamanho de uma arca. Ouviu a ordem de Deus e sabia que a
obediência ao pedido dEle lhe custaria ouvir as chacotas de seus
contemporâneos. Ainda sim, obedeceu. Podia ter fugido ou se justificado numa
desculpa até coerente para a época: a inexistência de chuva. Fico aqui pensando
na coragem de Noé. Ir contra as leis físicas da natureza para cumprir uma
gigantesca e trabalhosa ordem de Deus é realmente de se tirar o chapéu. Não foi
à toa que Deus escolheu sua família para repovoar a terra.
A Bíblia está repleta de homens que encararam seus
problemas e renunciaram a alternativa “fuja!” apresentada pelo pecado. Seguindo
a ordem cronológica bíblica, nosso próximo personagem é Abraão. Correndo o
risco de ver sua família acabar mesmo antes de surgir sua descendência – pois
Sara poderia ter recusado a ordem divina, direcionada a seu marido, de partir
“…para a terra que te mostrarei” (Gn. 12:1). Nesse caso, um problema conjugal
seria previsível, mas não foi o que aconteceu. Sairia do ventre de Sara o filho
da promessa, por isso mesmo foi Deus quem sustentou aquele matrimônio. Percebe?
Quando nos inclinamos à vontade de Deus, nada está fora do lugar, tudo tem o
seu propósito.
Poderia citar ainda outros exemplos, pois temos que
concordar: a bíblia está cheia de homens com problemas. A promessa de Jesus em
João 16:33 (“…no mundo tereis aflições”) foi anunciada muito tempo depois dos
acontecimentos relatados em Gênesis, mas já estava sendo cumprida na vida de
muitos personagens do Antigo Testamento. A promessa se fez presente também na
vida dos apóstolos, do próprio Jesus e continuou sendo observada na vida de
Paulo e tantos homens de Deus que ousaram viver o evangelho. Note que os
problemas não são uma novidade para os filhos de Deus. Pela lógica divina, são
até necessários para o desenvolvimento de uma vida santa. Resta-nos decidir o
que fazer diante dos próximos problemas: resolver ou fugir. Deus, em seu imenso
amor, continua a perguntar: “Onde estás?”.
Extraído do jornal Grupo News.
Claudio Isidoro.