Se não nos agarrarmos a alguma esperança,
perdemos o horizonte de futuro e corremos o risco de nos entregarmos ao
desamparo imobilizador ou à resignação estéril.
Neste contexto lembrei-me de um mito da antiga
cultura mediterrânea sobre o rejuvenescimento das águias.
De tempos em tempos, reza o mito, a águia,
como a fênix egípcia, se renova totalmente. Ela voa cada vez mais alto até
chegar perto do sol. Então as penas se incendeiam e ela toda começa a arder.
Quando chega a este ponto, ela se precipita do céu e se lança qual flecha nas
águas frias do lago. E o fogo se apaga. Mas através desta experiência de fogo e
de água, a velha águia rejuvenesce totalmente: volta a ter penas novas, garras
afiadas, olhos penetrantes e o vigor da juventude. Seguramente este mito
constitui o substrato cultural do salmo 103 quando diz:”O Senhor faz com que
minha juventude se renove como uma águia”.
E aqui precisamos ser um pouco psicólogos da
linha de C.G. Jung que tanto se ocupou do sentido dos mitos. Segunda esta
interpretação, fogo e água são opostos. Mas quando unidos, se fazem poderosos
símbolos de transformação.
O fogo simboliza o céu, a consciência e as
dimensões masculinas no homem e na mulher. A água, ao contrário, a terra, o
inconsciente e as dimensões femininas no homem e na mulher.
Passar pelo fogo e pela água significa,
portanto, integrar em si os opostos e crescer na identidade pessoal. Ninguém ao
passar pelo fogo ou pela água permanece intocado. Ou sucumbe ou se transfigura,
porque a água lava e o fogo purifica.
A água nos faz pensar também nas grandes
enchentes como conhecemos em 2010 nas cidades serranas do Estado do Rio. Com
sua força tudo carregam, especialmente o que não tem consistência e solidez.
São os infortúnios da vida.
E o fogo nos faz imaginar o cadinho ou
as fornalhas que queimam e acrisolam tudo o que não é ganga e não é essencial.
São as notórias crises existenciais. Ao fazermos esta travessia pela
“noite escura e medonha”, como dizem os mestres espirituais, deixamos aflorar nosso
eu profundo sem a ilusões do ego. Então amadurecemos para aquilo que é
autenticamente humano e verdadeiro. Quem recebe o batismo de fogo e de água
rejuvenesce como a águia do mito antigo.
Mas abstraindo das metáforas, que significa
concretamente rejuvenescer como águia? Significa entregar à morte todo o
velho que existe em nós para que o novo possa irromper e fazer o seu
curso. O velho em nós são os hábitos e as atitudes que não nos engrandecem: a
vontade de ter razão e vantagem em tudo, o descuido para com o lixo, o
desperdício da água e o desrespeito para com a natureza, bem como a falta de
solidariedade para com os necessitados, próximos e distantes. Tudo isso deve
ser entregue à morte para podermos inaugurar uma forma de convivência com os
outros que se mostre generosa e cuidadosa com a nossa Casa Comum e com o
destino das pessoas. Numa palavra, significa morrer e ressuscitar.
Rejuvenescer como águia significa também
desprender-se de coisas que um dia foram boas e de ideias que foram luminosas
mas que lentamente, com o passar dos anos, se tornaram ultrapassadas e
incapazes de inspirar o caminho da vida. Temos que nos renovar na mente e no
coração.
Rejuvenescer como águia significa ter coragem
para recomeçar e estar sempre aberto a escutar, a aprender e a revisar. Não é
isso que nos propomos a cada novo ano?
Que este ano, seja oportunidade de perguntar o
quanto de galinha existe em nós que não quer outra coisa senão ciscar o
chão e o quanto de águia há ainda em nós, disposta a rejuvenescer ao
confrontar-se valentemente com os tropeços e as crises da vida. Só então
cresceremos e a vida valerá a pena.
E não podemos esquecer aquela Energia poderosa
e amorosa que sempre nos acompanha e que move o inteiro universo. Ela nos
habita, nos anima e confere permanente sentido de lutar e de viver.
Texto visto de um novo olhar de LeonadBoff .
Claudio Isidoro.
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