terça-feira, 25 de setembro de 2012

A disciplina da Solitude

Jesus chama-nos da solidão para a solitude. O medo de ficarem sozinhas petrifica as pessoas, e as impulsiona para o barulho e para as multidões. Conservamos uma constante torrente de palavras mesmo que sejam ocas. Compramos rádios que prendemos ao nosso pulso ou ajustamos ao nossos ouvidos de sorte que, se não houver ninguém por perto, pelo menos não estamos condenados ao silêncio.

Mas a solidão ou o barulho não são nossas únicas alternativas. Podemos cultivar uma solitude e um silêncio interiores que nos livram da solidão e do medo. Solidão é vazio interior. Solitude é realização interior. Solitude não é, antes de tudo, um lugar, mas um estado da mente e do coração.

Há uma solitude do coração que pode ser mantida em todas as ocasiões. As multidões, ou a sua ausência, têm pouco que ver com este estado atentivo interior. É perfeitamente possível ser um eremita e viver no deserto e nunca experimentar a solitude. Mas se possuirmos solitude interior nunca teremos medo de ficar sozinhos, pois sabemos que não estamos sós. Nem tememos estar com outros, pois eles não nos controlam. Em meio ao ruído e confusão encontramos calma num profundo silêncio interior.

A solitude interior há de manifestar-se exteriormente. Haverá a liberdade de estar sozinhos, não para nos afastarmos das pessoas, mas para poder ouvi-las melhor. Jesus viveu em "solitude do coração" interior. Também freqüentemente experimentou solitude exterior. Ele começou seu ministério passando quarenta dias sozinho no deserto (Mateus 4.1-11). Antes de escolher os doze, ele passou a noite inteira sozinho no monte deserto (Lucas 6.12). Quando recebeu a notícia da morte de João Batista, Jesus "retirou-se dali num barco, para um lugar deserto, à parte" (Mateus 14.13). Após a alimentação miraculosa dos cinco mil, Jesus mandou que os discípulos partissem; então despediu as multidões e "subiu ao monte a fim de orar sozinho…"(Mateus 14.23). Após um longo dia de trabalho, "tendo-se levantado alta madrugada, saiu, foi para um lugar deserto, e ali orava" (Marcos 1.35). Quando os doze retornaram de uma missão de pregação e curas, Jesus os instruiu: "Vinde repousar um pouco, à parte…" (Marcos 6.31). Depois da cura de um leproso, Jesus "se retirava para lugares solitários, e orava" (Lucas 5.16). Com três discípulos ele buscou o silêncio de um monte solitário como palco para a transfiguração (Mateus 17.1-9). Enquanto se preparava para sua mais sublime e mais santa obra, Jesus buscou a solitude do jardim do Getsêmani (Mateus 26.36-46). Pode-se prosseguir, mas talvez isto seja suficiente para mostrar que a busca de um lugar solitário era uma prática regular de Jesus. Igualmente deve ser conosco.

Em Life Together (Vida Juntos), Dietrich Bonhoeffer deu a um de seus capítulos o título de "O Dia Juntos", e com percepção intitulou o capítulo seguinte "O Dia Sozinho". Ambos são fundamentais para o êxito espiritual. Escreveu ele:

"Aquele que não pode estar sozinho, tome cuidado com a comunidade… Aquele que não está em comunidade, cuidado com o estar sozinho…Cada uma dessas situações tem, de si mesma, profundas ciladas e perigos. Quem desejar a comunhão sem solitude mergulha no vazio de palavras e sentimentos, e quem busca a solitude sem comunhão perece no abismo da vaidade, da arrogância e do desespero."

Portanto, se desejarmos estar com os outros de modo significativo, devemos buscar o silêncio recriador da solitude. Se desejarmos estar sozinhos em segurança, devemos buscar a companhia e a responsabilidade dos outros. Se desejarmos viver em obediência, devemos cultivar a ambos.

Solitude e Silêncio

Sem silêncio não há solitude. Muito embora o silêncio às vezes envolva a ausência de linguagem, ele sempre envolve o ato de ouvir. O simples refrear-se de conversar, sem um coração atento à voz de Deus, não é silêncio.

Devemos entender a ligação que há entre solitude interior e silêncio interior. Os dois são inseparáveis. Todos os mestres da vida interior falam dos dois de um só fôlego (por exemplo, Imitação de Cristo de Thomas de Kempis, Vida Juntos de Dietrich Bonhoeffer, e Pensamentos em Solitude de Thomas Merton). Devemos, pois, necessariamente entender e experimentar o poder transformador do silêncio se desejarmos conhecer a solitude.

A finalidade do silêncio e da solitude é poder ouvir. O controle, e não a ausência de ruído, é a chave do silêncio. Tiago compreendeu claramente que a pessoa capaz de controlar a língua é perfeita (Tiago 3.1-12). Sob a disciplina do silêncio e da solitude aprendemos quando falar e quando refrear-nos de falar. A pessoa que considera as disciplinas como leis, sempre transformará o silêncio em algo absurdo: "Não falarei durante os próximos quarenta dias!" Esta é sempre uma grave tentação para o verdadeiro discípulo que deseja viver em silêncio e solitude. Thomas de Kempis escreveu: "É mais fácil estar totalmente em silêncio do que falar com moderação". O sábio pregador de Eclesiastes disse que há "tempo de estar calado, e tempo de falar" (Eclesiastes 3.7). O controle é a chave.

Não sente você um toque, um anseio de aprofundar-se no silêncio e solitude de Deus? Não deseja uma exposição mais profunda, mais completa à Presença de Deus? A disciplina da solitude é que abrirá a porta. Você está convidado a vir e "ouvir a voz de Deus em seu silêncio todo-abrangente, maravilhoso, terrível, suave e amoroso".

Extraído do capítulo 7 do livro "Celebração da Disciplina" de Richard J. Foster.

Claudio Isidoro.




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